sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Velho é o seu preconceito


PROTAGONISTAS

Em tempos de um exacerbado culto ao ego e ao capital, o homem passou a ser visto não pelo que constitui na essência, mas, por aquilo que aparenta, representa ou produz, e muitas vezes, cruelmente, pela quantidade que produz. Por esse motivo dá-se a exclusão, a qual afeta os que se encontram em desvantagem social, ou seja, se encontram em situações desfavoráveis para se doarem à competitividade e a aceleração do ritmo de vida atual. Entre os grupos mais prejudicados podemos citar: os idosos, os analfabetos, os deficientes físicos e mentais, os menos dotados de habilidades, entre tantos outros.
A exclusão não se limita ao problema sócioeconômico, mas abrange também um problema de ordem cultural, visto que os valores adquiridos atualmente referem-se à história do “mercado” e não à história e o contexto da pessoa em questão.
Apesar das limitações físicas restringirem algumas das possibilidades sociais, o envelhecimento deveria ser enxergado, trabalhado e respeitado como fase biológica natural do ser humano, e não como o passo definitivo direcionado à solidão, solidão esta que acontece por imposição e não por vontade própria. É preciso que haja movimento, físico e mental. É preciso que haja movimento de produção e transformação. Produção de consciência, transformação de conceitos, não só na velhice, mas na infância, adolescência e na vida adulta, onde os mesmos valores e conceitos são constituídos, pois, não existe nada que nos prove com credibilidade que nossos projetos necessitam concretizar-se em uma determinada e específica idade da vida.
Proporcionar instrumentos e maneiras de estabelecer novos relacionamentos ao idoso, de expressar e compartilhar suas experiências, de manifestar e adquirir habilidades significa antes de tudo, devolver-lhe o sonho, desmistificando crenças e reestruturando valores enraizados de que, em uma determinada idade precisamos parar.
Além das diversas atividades propostas por uma oficina de arte, tem ainda como principal objetivo proporcionar um lugar de escuta, oferecendo ao sujeito um espaço para a expressão da sua subjetividade, a qual envolve esperanças, angústias e medos. Assim, podemos definir esses encontros como momentos que não focam somente o desenvolvimento de aptidões, mas, momentos de valorização, momentos que se tornam terapêuticos, nos quais a história de vida não sirva apenas pra ser contada, mas vivenciada, e que, a partir dessas experiências do cotidiano do outro possamos reinventar, questionar e direcionar as nossas.
São esses os momentos de integração, interação e pertença, reconhecendo o sujeito como parte social, cultural, humana e ideológica, e não como um simples produto, buscando dessa maneira fortalecer o seu devido lugar como protagonista, como sujeito ativo e transformador da sua própria história.


Jane Estela Chaves

sábado, 18 de julho de 2009

O privilégio de um viver mais leve!!

FELICIDADE REALISTA

De norte a sul, de leste a oeste, todo mundo quer ser feliz.
Não é tarefa das mais fáceis. A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.
Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis. Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica, a bolsa Louis Vitton e uma temporada num spa cinco estrelas. E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.
É O QUE DÁ VER TANTA TELEVISÃO.

Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Por que só podemos ser felizes formando um par, e não como ímpares? Ter um parceiro constante não é sinônimo de felicidade, a não ser que seja a felicidade de estar correspondendo às expectativas da sociedade, mas isso é outro assunto. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com três parceiros, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.
Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade.
Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável.
Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno.
Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz, mas sem exigir-se desumanamente.
A vida não é um game onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo.

Martha Medeiros

sábado, 10 de janeiro de 2009

E o que eu desejo é luz e imaterial.


Delicatessen


Você nunca conhece realmente as pessoas.

O ser humano é mesmo o mais imprevisível dos animais. Das criaturas. Vá lá. Gosto de voltar a este tema.

Outro dia apareceu uma moça aqui. Esguia, graciosa, pedindo que eu autografasse meu livro de poesia, "tá quentinho, comprei agora". Conversamos uns quinze minutos, era a hora do almoço, parecia tão meiga, convidei-a para almoçar, agradeceu muito, disse-me que eu era sua "ídala", mas ia almoçar com alguém e não podia perder esse almoço. Alguém especial?, perguntei. Respondeu nítida: "pé-de-porco". Não entendi. Como? "Adoro pé-de-porco, pé-de-boi também". Ahn...interessante, respondi. E ela se foi apressada no seu Fusquinha. Não sei por que não perguntei se ela gostava também de cu de leão. Enfim, fiquei pasma. Surpresas logo de manhã.

Olga, uma querida amiga passando alguns dias aqui conosco, me diz: pois você sabe que me trouxeram uma noite um pé-perna de porco, todo recheado de inverossímeis, como uma delicadeza para o jantar? Parecia uma bota. Do demo, naturalmente. E lendo uma entrevista com W. H. Auden, um inglês muito sofisticado, o entrevistador pergunta-lhe: "O que aconteceu com seus gatos? "Resposta: "Tivemos que matá-los, pois nossa governanta faleceu". Auden também gostava de miolo, língua, dobradinha, chouriços e achava que "bife" era uma coisa para as classes mais baixas, "de um mau gosto terrível", ele enfatiza.

E um outro cara que eu conheci, todo tímido, parecia sempre um urso triste, também gostava de poesia... Uma tarde veio se despedir, ia morar em Minas... Perguntei:"E todos aqueles gatos de que você gostava tanto?" Resposta: "Tive de matá-los"."Mas por quê?!" Resposta: "Porque gatos gostam da casa e a dona que comprou minha casa não queria os gatos". "Você não podia soltá-los em algum lugar,tentar dar alguns?" Olhou-me aparvalhado: "Mas onde? Pra quem?" "E como você os matou?" "A pauladas", respondeu tranqüilo, como se tivesse dado uma morte feliz a todos eles. E por aí a gente pode ir, ao infinito. Aqueles alemães não ouviam Bach, Wagner, Beethoven, não liam Goethe, Rilke, Hölderlin (?????) à noite, e de dia não trabalhavam em Auschwitz? A gente nunca sabe nada sobre o outro.

E aquele lá de cima, o Incognoscível, em que centésima carreira de pó cintilante sua bela narina se encontrava quando teve a idéia de criar criaturas e juntá-las? Oscar, traga os meus sais.
Hilda Hilst
Releituras.
Portal Cultural Hilda Hislt
Hilda e Zeca Baleiro: Música para ler.
"...e tudo é tão redondo e completo na hora da morte, pois aí sim é que estás completamente acabado, inteirinho tu mesmo, nítido nítido, preciso, exato como um magnífico teorema..."